Na avaliação do CFP, a Resolução nº 3/2020 do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) retorna à lógica do Código de Menores de 1979, paradigma que compreende crianças e adolescentes como objeto de controle e coerção do Estado, e não como sujeitos de direitos
Foi concedido ao Conselho Federal de Psicologia (CFP) o ingresso (na condição de amicus curiae) na Ação Civil Pública (ACP) contra a Resolução Conad nº 3/2020 – normativa do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) que regulamenta, no âmbito do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), o acolhimento de adolescentes com problemas decorrentes do uso, abuso ou dependência do álcool e outras drogas em comunidades terapêuticas.
Na condição de amicus curiae, o CFP participará de audiência na 12ª Vara Federal de Pernambuco – representado pelo psicólogo e integrante da Comissão de Direitos Humanos do CFP, Filippe de Mello Lopes – no dia 14 de setembro, a partir das 11h, que tratará com a União de questões relacionadas ao nome e local de permanência das(os) 500 adolescentes que se encontram em comunidades terapêuticas (informando a data das respectivas internações); explicações sobre as medidas já implementadas para o desligamento e a integração dessas(es) adolescentes na Rede de Atenção Psicossocial; e fontes e valores repassados às comunidades terapêuticas em decorrência dessas internações.
Entenda o caso
A Ação Civil Pública foi ajuizada pela Defensoria Pública da União (DPU) e as Defensorias Públicas dos estados de Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso e Paraná.
No pedido de ingresso na condição de amicus curiae, a assessoria jurídica do CFP argumenta que a autarquia figura entre as instituições que apresentam expertise acerca do tema, bem como informações, dados e análises técnico-científicas relevantes que podem contribuir para a elucidação do julgamento da matéria. Além disso, o Conselho Federal de Psicologia foi membro e ocupou a presidência na última composição do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), compondo, atualmente, o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), o Conselho Nacional de Saúde (CNS), o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) – colegiados de âmbito nacional diretamente implicados na área temática em julgamento.
“A sua condição de Conselho Profissional, atuando, portanto, também como representação em relação a uma categoria profissional diretamente implicada e atuante na temática envolvida na ação, é também o que caracteriza e qualifica a legitimidade para o ingresso na qualidade de amicus curiae“, ponderam os advogados do CFP.
O que pretende a Ação Civil Pública?
Na prática, a ACP protocolada pela Defensoria Pública da União requer:
1. A concessão de tutela de urgência para que sejam determinadas: (i) a suspensão integral da eficácia da Resolução Conad nº 3/2020; (ii) a suspensão de todos os financiamentos federais a vagas para adolescentes em comunidades terapêuticas realizados com base na referida resolução até o julgamento final da ação.
2. A citação da parte ré para contestar a ação (em cumprimento ao prazo legal).
3. Que seja julgada procedente a Ação Civil Pública, a fim de que se declare a ilegalidade da Resolução Conad nº 3/2020, assim como todos os contratos, convênios e termos de parcerias realizados para o custeio de vagas para adolescentes em comunidades terapêuticas com base na referida.
4. A produção de prova por todos os meios admitidos.
Qual o posicionamento do CFP acerca da questão?
O Conselho Federal de Psicologia historicamente tem atuado na defesa de um tratamento humanizado das pessoas com sofrimento psíquico causado pelo uso abusivo de drogas, rememorando que, como cidadãs(ãos), essas pessoas têm direito ao tratamento em liberdade e à convivência comunitária, bem como ao cuidado e a intervenções adequadas e eficazes de preservação de sua saúde mental.
Por esse motivo, o CFP posiciona-se de forma contrária à Resolução Conad nº 3/2020, na medida em que o instrumento ignora o contexto social em que vive grande parcela dos adolescentes brasileiros ao responsabilizá-los individualmente e puni-los privando-os de sua liberdade em nome de um tratamento que não resguarda sua participação na construção das medidas que visam a sua proteção.
Na avaliação da autarquia, a resolução do Conad implica em uma reafirmação da Doutrina da Situação Irregular do Código de Menores (1979) – paradigma que compreende crianças e adolescentes como objeto de controle e coerção do Estado, e não como sujeitos de direitos. O retorno a este paradigma, portanto, com o acolhimento de adolescentes em comunidades terapêuticas, retoma a ideia de internação com nova roupagem e revela as desigualdades sociais estruturais do país, promovendo um gerenciamento seletivo de populações específicas, com estratégias para regular, controlar e normalizar os corpos. Nesse sentido, a resolução apresenta relação direta com a proposta da redução da maioridade penal na medida em que estigmatiza, culpabiliza e criminaliza os adolescentes em situação de pobreza em nosso país.