- Em outubro de 2023, o vereador de Campo Grande/MS, professor André Luis (Rede), fez uso da palavra em debate sobre segurança pública em sessão na Câmara Municipal. Na ocasião, em sua fala, o mesmo fez declarações associando as/os Policiais Militares de Mato Grosso do Sul à obesidade, depressão e um possível clima de insegurança da população;
- Acreditamos que o vereador foi muito infeliz em seu discurso, pois a temática da segurança pública é extremamente complexa e multifacetada, envolvendo diversos atores e instituições, onde torna-se inviável simplificar a resolução de qualquer problema com ações pontuais ou políticas militarizadas e ostensivas;
- Além disso, a fala do vereador revela um certo desconhecimento acerca da situação preocupante e alarmante que envolve a saúde mental de profissionais da segurança pública. Diversos estudos científicos e levantamentos realizados por organizações da sociedade civil, como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que revelam um cenário marcado por sintomas de estresse, depressão, ansiedade, insônia e dependência química, além de um elevado número de ideações e tentativas de suicídio. Esses sintomas também interferem na saúde geral, inclusive nos fenômenos relacionados à alimentação e à saúde física, cuja relação com a saúde mental já está devidamente comprovada nos meios acadêmicos;
- A associação feita pelo vereador também revela um preocupante desconhecimento do membro do legislativo a respeito das condições de trabalho das/os profissionais de segurança pública, que lidam com baixas remunerações, condições inapropriadas dos espaços de trabalho, além de outras condições que aumentam o sentimento de insegurança dessas/es trabalhadoras/es, sobretudo em um contexto social marcado pelo crime organizado e pelo aumento constante das violências;
- A própria Organização Internacional do Trabalho – OIT coloca as longas jornadas de trabalho e a remuneração precária no desenvolvimento de carreira como fatores de risco psicossocial no trabalho.[1] Informação que é possível ser confirmada quando comparado o nível de afastamentos por saúde mental nos quadros de servidoras/es públicas/os;
- Além disso, estudos vêm indicando que o trabalho das/os profissionais da segurança pública está diretamente ligado ao convívio com situações de risco que, ampliadas pelas condições de trabalho precárias, aumentam o sofrimento físico e psíquico das/os policiais militares. Soma-se, ainda, a violência institucional que dificulta o acesso dessas/es trabalhadoras/es aos serviços de atenção à saúde mental, potencializado pelos estereótipos ligados ao adoecimento de profissionais cujo trabalho está centrado na bravura e na força física;
- Destaca-se, ainda, que a fala do vereador reduz a complexidade do problema da saúde das/os policiais militares, contribuindo para a desinformação que pode prejudicar a relação de confiança entre a sociedade civil e instituições de segurança pública, em especial as corporações militares;
- Acreditamos que, ao contrário do que foi demonstrado pelo vereador, é dever do poder legislativo contribuir para a maior visibilidade das demandas e necessidades de saúde da população e servidoras/es da segurança pública, favorecendo a construção e o fortalecimento de políticas públicas que garantam a saúde física e mental dessas/es trabalhadoras/es, tão importantes para o bem-viver comunitário;
- Fazer esse tipo de declaração publicamente pode colocar a população contra as/os trabalhadoras/es das instituições de segurança, o que condiciona o senso comum a apoiar práticas violentas e autoritárias por parte da polícia ou da própria sociedade. Da mesma forma, reforça uma visão simplista e preconceituosa das pessoas acometidas com quadros de saúde mental, dentre eles a depressão ou obesidade como mencionado no discurso do vereador;
- Em tempos de naturalização de ameaças e discursos de ódio, não podemos nos calar diante dessa infeliz declaração. Portanto, o Conselho Regional de Psicologia 14ª Região – MS registra repúdio a esta fala e aguardamos por uma retratação pública por parte do parlamentar.
[1] Organização Internacional do Trabalho (OIT). Factores psicosociales en el trabajo: Naturaleza, incidencia y prevención[Internet]. OIT, Ginebra, Suiza, 1984. [cited 2020 Mar 27]. Available from: http://www.dt.gob.cl/portal/1629/w3-article-60423.html.